Sambalanço, a bossa que correu o mundo

Nem todas as modificações do samba na passagem dos 50 para os 60 foram desaguar na bossa nova. Paralelo ao movimento deflagrado pelo violão sincopado e a voz curta e colocada como um golpe de caratê de João Gilberto, outros reformistas do velho gênero sacudiram as casas noturnas e abarrotaram de sucessos as lojas de discos. Eles praticavam o sambalanço ou samba de balanço, numa associação do ritmo à coreografia dos pares nos salões (mesmo que os dos então chamados inferninhos) e/ou embutiam teleco-teco, ziriguidum, skindô nos requebros da pauta. Tais onomatopéias, muito em voga na época, eram uma tentativa de adaptar à fonética o ritmo incisivo injetado nos temas.

Nas raízes precursoras dessa iniciativa pode-se ir ao samba-espetáculo da era de exaltação do Estado Novo onde autores como Ary Barroso (Aquarela do Brasil, Isso aqui o que é, Rio de Janeiro, Na Baixa do sapateiro), Alcyr Pires Vermelho (Canta Brasil, Onde o céu azul é mais azul, Sandália de prata), Vicente Paiva (Bahia de Todos os Santos, Olhos verdes) e mais adiante Luis Bandeira (O apito no samba, Na cadência do samba) remodelaram o estilo no sentido dos passos largos da dança, abrindo espaço para repiques e interseções de percussão e metais em brasa. Alguns desses autores como Ary, tinham larga experiência no teatro de revista, onde a música vinha colada à coreografia.

A nova etapa do balanço foi adensada – embora sem formar um movimento organizado – pelo crescimento vertical da população urbana e a multiplicação de casas noturnas frequentadas por uma plateia que misturava das classes média em diante aos turistas. Em contraponto aos minúsculos palcos da bossa nova do Beco das Garrafas, em Copacabana, onde a música era para ser ouvida e mal havia espaço para as coreografias de Lennie Dale ou Marly Tavares vicejam templos dançantes como o Drink e o Arpege, no mesmo bairro em pleno auge. Neles reinavam os solovox (prenunciadores da febre de teclados eletrônicos dos anos seguintes) tripulados por Djalma Ferreira e Waldir Calmon, o titular da milionária série Feito para dançar.


Ed Lincoln fotografado por Mauricio Valladares

Os gelinhos também sacolejavam nos copos sob o estímulo do órgão suingadíssimo de Ed Lincoln (que começou na catedral da pré-bossa a boate Plaza), o rei dos bailes, o violão sincopado de Durval Ferreira, o embalo do Trio Surdina e a penca de chaves de Orlandivo. Ou ao sabor das vozes doces de Dóris Monteiro e Claudette Soares, da emissão metálica originalíssima de Miltinho, que tomou de assalto as paradas de sucesso dos anos 60 com uma sequência impressionante de êxitos. Eles estão de volta neste projeto idealizado pelo ás do cavaquinho, violonista e produtor musical Henrique Cazes que recicla o sambalanço, reedita o formato do Trio Surdina e projeta a tendência para o futuro com o noviço Rogê e o grupo EletroSamba.

Tárik de Souza

Programa

Brincando de samba
2 de setembro
Orlandivo & Durval Ferreira
Bidinho (trompete), Jorge Continentino (flauta e sax), Perna Fróes (teclado), Zé Luis Maia (contrabaixo), Kleberson Caetano (bateria), Chacal (percussão)

Estamos aí
9 de setembro
Miltinho & Dóris Monteiro
Aloir Mendes (teclado), Edson Pinto Bastos (contrabaixo), Joaquim Paes Henriques (bateria), Ricardo Albano Júnior (teclado)

De tanto amor
16 de setembro
Novo Trio Surdina & Claudette Soares
Nicolas Krassic (violino), Marcos Nimrichter (acordeom), Henrique Cazes (violão), Omar Cavalheiro (contrabaixo), Beto Cazes (percussão)

Saudade fez um samba
23 de setembro
Ed Lincoln e seu conjunto
Orlandivo (voz), Durval Ferreira (guitarra e voz), Paulinho Trompete, Carlos “Sapão” Moura (sax), Miro (contrabaixo), Wilson das Neves (bateria), Jorge Arena (percussão)

Sambalanço continua
30 de setembro
Rogê & EletroSamba
Wellington Soares (percussão e voz), César Beliny (ontrabaixo e voz), Waltinho AC (percussão e voz), Felipe Rodarte (violão), DJ Negralha

A apresentação de Ed Lincoln e seu conjunto foi registrada pelo diretor Fabiano Maciel para o cine documentário Sambalanço. Assista o teaser do filme abaixo.

Mais Gente Sambalanço

Djalma Ferreira (Rio de Janeiro 1914) Compositor, tecladista e empresário, foi o introdutor do solovox o bisavô dos teclados eletrônicos e liderava o conjunto Milionários do Ritmo. Em 1954 abriu a boate Drink onde despontaram para o sucesso, entre outros, Miltinho e Ed Lincoln. Em 1960, quando o Drink lotava de segunda a segunda, vendeu a boate e foi morar em Las Vegas. Segundo definição bem humorada do Miltinho, deixou o ritmo no Brasil e foi viver com os milionários.

Haroldo Barbosa (Rio de Janeiro, 1915-1979) Radialista de grande destaque, foi um pioneiro do sambalanço ainda nos anos 1940. Músicas de sua autoria como “De conversa em conversa” (com Lúcio Alves) de 1947, foram reaproveitadas pela bossa-nova. Em parceria com Max Nunes, teve destaque nos programas humorísticos da televisão.

Luis Bandeira (Recife 1923-1998) Compositor, percussionista e cantor. Depois de passar a juventude trabalhando em sua terra natal, veio para o Rio em 1950 e se tornou compositor de sucesso. Seus temas como “Na cadência do samba” – que ficou imortalizado como trilha do Canal 100, programa de jornalismo cinematográfico – trazem uma extraordinária combinação de originalidade melódica e balanço. É autor de frevos clássicos como “Voltei Recife”.

Luis Antônio pseudônimo de Antonio de Pádua Vieira da Costa (Rio de Janeiro 1921-1996). Compositor e letrista, autor de êxitos carnavalescos como “Lata d’água” (com Jota Junior), foi parceiro de Djalma Ferreira e um dos compositores de maior importância do sambalanço.

Luís Reis (São Luis 1926-Rio de Janeiro 1980) compositor e pianista, conhecido como Cabeleira, fez sucesso dentro e fora do carnaval. É autor de vários sambalanços clássicos que estarão no repertório do ciclo.

Maurício Einhorn pseudônimo de Moisés Davi Einhorn (Rio de Janeiro 1932) gaitista virtuose e compositor inspirado, compôs em parceria com Durval Ferreira temas marcantes do sambalanço

Silvio César cantor e compositor que começou como crooner do conjunto de Ed Lincoln e mais tarde enveredou com sucesso pelo repertório romântico.

Umberto Garin percussionista e cantor uruguaio se destacou no conjunto de Ed Lincoln com seu guiro – um reco-reco originário do Caribe. Fez sucesso cantando samba com sotaque.

(verbetes por Henrique Cazes)

Ouça a playlist com o repertório e diferentes intérpretes no Spotify!

Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil
Setembro de 2003

Direção Musical: Henrique Cazes . Assessoria Artística: Orlandivo . Programação Visual: Andréia Resende . Textos: Tárik de Souza . Fotos: Maurício Valladares . Produção: Ana Cunha . Agradecimentos: Nilo Sergio Filho – Musidisc . Patrocínio e Realização: Centro Cultural Banco do Brasil