Da Kutanda ao Quitandinha

O Centro Cultural Sesc Quitandinha, em Petrópolis, inaugurou na sexta-feira (1/12) a exposição “Da Kutanda ao Quitandinha – 80 anos”, projeto que abre as celebrações das oito décadas – completadas em 2024 – da edificação que, devido à sua arquitetura, é um dos principais cartões postais da cidade serrana.

Inaugurado em 1944, o edifício abrigou um dos maiores hotéis-cassino da América Latina, mas teve sua vocação transformada após o presidente Eurico Gaspar Dutra proibir os jogos de azar no Brasil, em 1946. Desde 2007, a área monumental pertence ao Sesc RJ, que a transformou em um Centro Cultural em abril deste ano.

Com curadoria geral de Marcelo Campos, a programação, que se estende até 25 de fevereiro, conta com exposições, shows musicais e espetáculo de teatro, além de seminários e oficinas. As atividades fazem referência à história da edificação e do território onde ela está inserida – uma região com forte identidade afro-brasileira por conta dos quilombos formadores da cidade de Petrópolis.

O carro-chefe do projeto é a exposição, dividida em seis núcleos curatoriais espalhados pelos diferentes salões do palácio. Além do trabalho de artistas da nova geração, há obras e referências históricas a nomes importantes das artes no Brasil e que se relacionam com o monumental edifício petropolitano.

Obras simbolizam a ancestralidade no território do Quitandinha
O primeiro núcleo, com curadoria de Filipe Graciano e Renata Aquino, traz fotografias, pinturas e vídeos que remontam à origem histórica da presença afrodiaspórica neste território. O Nome “Quitandinha”, inclusive, tem origem no quimbundo, língua falada em Angola, antigo Reino do Dongo, lugar de origem de muitos dos africanos que formam a população afro-brasileira. A profissão das quitandeiras – mulheres pretas que se fizeram presentes na quitanda – movimentou uma fatia importante da economia do século XIX. Neste espaço, destacam-se obras de Ana Beatriz Almeida, PV Dias, Gê Viana, Rafaela Pinah, Wallace Pato e Aline Castella.

A história por trás do criador de pinturas do palácio
Tomás Santa Rosa (1909 – 1956) – primeiro cenógrafo moderno brasileiro e diagramador e gravurista de livros do país – é tema do segundo núcleo expositivo, com curadoria de Marcelo Campos e Bruno Pinheiro. Suas obras, que figuram em alguns espaços do Palácio Quitandinha, ganharam tratamento e restauro e poderão ser vistas na Piscina, Galeria das Estrelas e Jardim de Inverno. O visitante poderá apreciar criações de diversas fases da sua carreira, livros ilustrados por ele e maquetes de cenários de sua autoria. Outro destaque é a cenografia alusiva aos adereços criados por ele para o carnaval de rua de 1954.

Água-viva gigante faz alusão à obra de Tomás Santa Rosa
O terceiro núcleo terá uma água-viva inflável de oito metros de altura, iluminada por luzes LED, ocupando o Salão Mauá, a cúpula do Centro Cultural. Assinada pelo artista plástico paulistano Felipe Yung, a peça dialoga com as obras de Tomás Santa Rosa, que, inspiradas no livro “20 mil léguas submarinas”, de Julio Verne, expostas na piscina interna do edifício. O espaço, até então fechado ao público, abrirá à visitação pela primeira vez para apreciação das obras.

Anna Bella Geiger e os 70 anos da primeira exposição de arte abstrata
Realizada em 1953 no então Hotel Quitandinha, a 1ª Exposição Nacional de Arte Abstrata é recordada no quarto núcleo da mostra. Apresenta peças de artistas que participaram do evento, com destaque para Anna Bella Geiger, que, aos 90 anos, é uma das mais importantes em atividade. A artista plástica participou de momentos emblemáticos da história da arte no Brasil como uma mulher pioneira na gravura, na videoarte e na pesquisa em diversos suportes, marca registrada de sua produção artística. O público terá acesso a trabalhos exibidos em 1953 e produções inéditas.

Wilson Tibério, artista negro com primeira exposição no Quitandinha
O quinto núcleo expositivo, com curadoria e pesquisa de Bruno Pinheiro, homenageia Wilson Barcelos Tibério (1920-2005), artista gaúcho radicado no Rio de Janeiro e que teve sua primeira exposição individual no então Hotel-Termas Quitandinha, em 1946. As telas em exposição eram parte do interesse contínuo do pintor em documentar o cotidiano de pessoas negras como ele próprio. Telas, documentos e vídeos relembram a mostra, que foi noticiada nos dias seguintes em jornais do Rio e de Petrópolis como parte de uma iniciativa do Quitandinha de divulgar a pintura nacional em seus salões e corredores.

Das celebridades à política mundial, Quitandinha faz história
Por fim, o sexto núcleo ocupa a varanda com exposição de imagens, documentos, áudios e objetos que remetem aos primeiros anos de funcionamento do Hotel Quitandinha. A pesquisa e o desenvolvimento, de Ana Cunha, Flávio Menna Barreto e Jeff Celophane, conta a história e mostra as diferentes facetas do empreendimento – tudo ambientado com sons e músicas de época. Inaugurado um ano antes do fim da Segunda Guerra Mundial, foi palco da Conferência Interamericana para a Manutenção da Paz e da Segurança no Continente, em 1947, e também recebeu celebridades brasileiras e hollywoodianas.

A história do Quitandinha tem um quê de delírio e fantasia. E muito do Brasil real, com seus superlativos em virtudes e vícios. A fábula de um ex-tropeiro alçado a magnata e seu hotel de mil e uma noites provoca o imaginário. Reúne ingredientes de enredo mítico, capaz de surpreender mesmo narrado sucessivas vezes.

Se a arte decidisse revivê-la em peça teatral, por exemplo, teríamos uma grande produção em dois atos. Imaginemos uma montagem no próprio teatro mecanizado. 

Na primeira parte, centenas de operários em movimentos frenéticos protagonizam o devaneio de Joaquim Rolla em formação: uma obra colossal numa Shangri-la dos trópicos. A sonoplastia reproduz a ação de pás, tratores e enxadas. Ao fundo, explosões lembram que a guerra na Europa torna a construção ainda mais improvável. 

O palco giratório se move. No segundo ato, a ficção ganha realidade. A cenografia de ambiência agreste, com barracões envoltos pela neblina de gelo seco, dá lugar a cenários reluzentes. Compõem um palácio de linhas normandas. Há quem o defina como o Taj Mahal dos hotéis. Salões majestosos. Cores vibrantes nunca antes combinadas na decoração feérica. Um deslumbre!

O maior cassino do Brasil, das Américas, do mundo. Uma babel trajada de smoking e longo, em bailes regados a champanhe. O som das roletas e orquestras invade a madrugada, numa festa sem fim. Em volta do hotel, a cidade temática, com suas quadras e parques, aos poucos se expande, bem antes do surgimento do turismo de massa. 

Do mezanino, em total discrição, o visionário criador dessas cenas acompanha a evolução da história, atento a cada detalhe, certo de que, nesse espetáculo, as cortinas nunca se fecharão.

Curadoria, pesquisa e textos: Flavio Menna Barreto Neves

Design de projeto e conteúdo: Ana Cunha

Design e projeto expográfico: Celophane Cultural | Jefferson Duarte

Design de experiência sonora: Objeto Sonoro | Felipe Barros e Saulo Dansa

Produção de objetos: Vlad Victorelli

Cenotécnica: Nova Dupla

Reprodução fotográfica: Manuel Aguas

Produção: Celophane Cultural 

Acervo: Família Joaquim Rolla, Carlos Moskovics | Instituto Moreira Salles, Fundação Biblioteca Nacional, Dorothy Draper & Company, Museu Imperial | Ministério da Cultura, Arquivo Nacional, Sala da Historiografia Petropolitana | Arquivo Municipal (PMP), Museu da República | Instituto Brasileiro de Museu, Museu da Imagem e do Som (MIS-RJ), Life Magazine, Sesc Rio de Janeiro, Roteiro Produções

Todos os esforços foram feitos para identificar as fontes das imagens aqui reproduzidas. Estamos prontos a corrigir eventuais omissões.

Programação multicultural
Ao longo do período da exposição, haverá shows, apresentações teatrais, bailes, exibição audiovisual, seminários e uma série de outras atividades que aprofundam as reflexões sobre a exposição. A programação será divulgada em breve em nosso site institucional e em @dakutandaaoquitandinha.

SERVIÇO:
Exposição “Da Katunda ao Quitandinha – 80 anos”
Curadoria geral: Marcelo Campos
Curadores: Marcelo Campos, Bruno Pinheiro, Filipe Graciano e Renata Aquino
Avenida Joaquim Rolla, nº 2 – Petrópolis/RJ
De 1º de dezembro a 25 de fevereiro
Terças a domingos e feriados, das 10h às 17h
Entrada franca